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A dopamina e a dependência de ecrãs: um olhar neurocientífico

  • IKIGAI - Equilíbrio Digital
  • 24 de jun.
  • 3 min de leitura

Introdução

A dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer e à motivação, desempenha um papel central nos comportamentos aditivos. O seu envolvimento nos mecanismos de recompensa torna-a essencial para compreender não só as dependências químicas, mas também as comportamentais, como o uso excessivo de ecrãs. A sociedade contemporânea, cada vez mais digitalizada, enfrenta um desafio crescente: a dependência de dispositivos eletrónicos, especialmente entre os mais jovens. Este texto explora como a dopamina está na origem destes comportamentos e analisa o fenómeno da dependência de ecrãs à luz da neurociência.


O que é a dopamina

A dopamina é um neurotransmissor sintetizado no cérebro, envolvido em diversas funções, como o controlo motor, a regulação do humor, a aprendizagem e, de forma destacada, o sistema de recompensa. Quando uma experiência é percebida como prazerosa, ocorre uma libertação de dopamina, reforçando esse comportamento e incentivando a sua repetição (Silva, 2020).


A dopamina e os mecanismos de dependência

O sistema de recompensa cerebral é ativado por estímulos que proporcionam prazer ou satisfação, libertando dopamina. Este mecanismo é útil na aprendizagem de comportamentos adaptativos, mas pode tornar-se prejudicial quando a busca pelo prazer se torna compulsiva. Tal como acontece com substâncias aditivas — como cafeína, nicotina, cocaína ou heroína — também comportamentos como o jogo patológico ou o uso intensivo de redes sociais estimulam esta via dopaminérgica, podendo levar à dependência (Rodrigues & Pereira, 2018). No caso das dependências comportamentais — e também em algumas químicas — o fácil acesso ao estímulo intensifica o ciclo aditivo (Lembke, 2020).


A dependência de ecrãs

A dependência de ecrãs enquadra-se nas dependências comportamentais. Caracteriza-se por um uso excessivo, impulsivo e descontrolado de dispositivos como smartphones, tablets e computadores. A cada notificação, “gosto” ou mensagem nova, dá-se uma libertação de dopamina, criando uma sensação breve de prazer que reforça o comportamento (Monteiro, 2022). Este ciclo constante de recompensa-interrupção-recompensa é comparável ao mecanismo das máquinas de jogo (como a roleta de casino), promovendo um reforço intermitente viciante. Quanto maior for a libertação de dopamina provocada pelo estímulo, maior será o desequilíbrio químico quando esse estímulo é interrompido. Este fenómeno, conhecido como défice dopaminérgico pós-estimulação, está associado a sintomas como irritabilidade, desmotivação, anedonia (incapacidade de sentir prazer) e, muitas vezes, síndrome de abstinência. Como explicam Volkow e Koob (2015), a hiperestimulação do sistema dopaminérgico, seja provocada por substâncias como a cocaína, seja por comportamentos como o uso excessivo de ecrãs, leva à desregulação dos recetores de dopamina, reduzindo a sensibilidade do cérebro aos estímulos naturais e aumentando a vulnerabilidade à recaída.


Consequências nos relacionamentos interpessoais

A dopamina influencia fortemente a forma como o cérebro processa prazer, motivação e reforço comportamental. Pode ser vista como uma “moeda de troca” entre as nossas ações e a sensação de recompensa que recebemos (Fundação Bial, 2021). Contudo, quando a libertação de dopamina é excessiva e crónica, o cérebro habitua-se a níveis de estimulação anormalmente altos, deixando de reagir aos pequenos prazeres quotidianos (Volkow & Koob, 2015). Atividades como conversar, conviver com amigos ou estar com a família deixam de provocar prazer — fenómeno conhecido como dessensibilização dopaminérgica (Nestler, 2005). Este desequilíbrio afeta profundamente os relacionamentos interpessoais. A pessoa pode isolar-se, tornar-se emocionalmente reativa ou perder o interesse em manter ligações próximas. Isso é evidente, por exemplo, em jovens com dependência de videojogos ou redes sociais, que muitas vezes perdem o interesse pelo contacto presencial (Robinson & Berridge, 2001).


Conclusão

A dopamina é um elemento-chave para compreender os comportamentos aditivos, sejam químicos ou comportamentais. A dependência de ecrãs não se resume ao tempo passado online — é um fenómeno neurobiológico complexo, com implicações no bem-estar psicológico e nas relações sociais. Promover o uso consciente da tecnologia, educar para o autocontrolo e estabelecer limites são passos fundamentais para combater esta forma de dependência, cada vez mais presente e silenciosa.


Bibliografia

Fundação Bial. (2021). Cérebro e comportamento: a dopamina. https://www.fundacaobial.com/

Kuhn, S., & Gallinat, J. (2014). Brain structure and functional connectivity associated with pornography consumption: The brain on porn. JAMA Psychiatry, 71(7), 827–834.

Lembke, A. (2020). Dopamine Nation: Finding Balance in the Age of Indulgence. New York: Dutton.

Monteiro, T. (2022). Tecnologia e cérebro: a nova era da distração. Lisboa: Gradiva.

Nestler, E. J. (2005). Is there a common molecular pathway for addiction? Nature Neuroscience, 8(11), 1445–1449.

Robinson, T. E., & Berridge, K. C. (2001). Incentive-sensitization and addiction. Addiction, 96(1), 103–114.

Rodrigues, C., & Pereira, M. (2018). Neuropsicologia das adições: das substâncias aos comportamentos. Coimbra: Almedina.

Silva, J. (2020). Neurociência para Todos: Como o cérebro nos controla. Porto: UPorto Press.

Volkow, N. D., & Koob, G. F. (2015). Brain disease model of addiction: why dopamine matters. The Lancet Psychiatry, 2(8), 677–679.

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